sexta-feira, 8 de abril de 2011


Por vezes a abstracção é tal que muitos parecem caminhar sós, como se não pertencessem à caravana. Alheios e fechados, tornam-se transparentes, seres visíveis-invisíveis, que se sentam ao nosso lado e encostam o ombro no ombro sem chegar a reparar. Estes são os que engrossam a turba que se desloca em massa, corre apressada e vive num ritmo impossível de abrandar. Há outros que caminham mais devagar, que param e olham, mesmo quando não conseguem ver. Como os dois cegos que descem as escadas apoiados um no outro e chegam à plataforma do Metro abraçados pelos ombros, sentindo não só o calor da presença do amigo como a proximidade de quem passa.

Pelo facto de não verem são obrigados a estar mais atentos a tudo e todos à sua volta. Aos passos dos mais apressados, aos barulhos dos comboios, aos sinais de alarme que indicam quando é que as portas abrem e fecham, enfim a mil e um detalhes que tantas vezes nos escapam por serem tão evidentes que se tornam mais que óbvios.
Passamos a vida inteira ouvindo os sábios conselhos dos outros. Tens que aprender a ser mais flexível, tens que aprender a ser menos dramática, tens que aprender a ser mais discreta, tens que aprender... praticamente tudo.
Mesmo as coisas que a gente já sabe fazer, é preciso aprender a fazê-las melhor, mais rápido, mais vezes. Vida é constante aprendizado. A gente lê, a gente conversa, a gente faz terapia, a gente se puxa pra tirar nota dez no quesito "sabe-tudo". Pois é. E o que a gente faz com aquilo que a gente pensava que sabia?
As crianças têm facilidade para aprender porque estão com a cabeça virgem de informações, há muito espaço para ser preenchido, muitos dados a serem assimilados sem a necessidade de cruzá-los: tudo é bem-vindo na infância. Mas nós já temos arquivos demais no nosso winchester cerebral. Para aprender coisas novas, é preciso antes deletar arquivos antigos. E isso não se faz com o simples apertar de uma tecla. Antes de aprender, é preciso dominar a arte de desaprender.
Desaprender a ser tão sensível, para conseguir vencer mais facilmente as barreiras que encontramos no caminho. Desaprender a ser tão exigente consigo mesmo, para poder se divertir com os próprios erros. Desaprender a ser tão coerente, pois a vida é incoerente por natureza e a gente precisa saber lidar com o inusitado. Desaprender a esperar que os outros leiam nosso pensamento: em vez de acreditar em telepatia, é melhor acreditar no poder da nossa voz. Desaprender a autocomiseração: enquanto perdemos tempo tendo pena da gente mesmo, os demais seguiram em frente.
A solução é voltar ao marco zero. Desaprender para aprender. Deletar para escrever em cima.
Houve um tempo em que eu pensava que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje sei que dá pra renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar.

Um comentário:

  1. Tu te dá muito bem com as palavras, Andry! Lindo o texto. - Roberta.

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